quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Artigo publicado hoje em Zero Hora

O terceiro incluído

O que leva um garoto de 11 anos a esgueirar-se para dentro da carroceria de um ônibus, viajar nove horas clandestino sobre o para-lama, 600 quilômetros rumo a Aparecida, para pagar uma promessa? Ele não foi em busca de arrancar da morte um ser querido, nem de dinheiro para driblar a miséria, nem sequer uma bicicleta ou namorada. Ele queria que os pais parassem de brigar. Esse excêntrico peregrino fez sua façanha semana passada em São Paulo.

Briga de casal faz parte da vida a dois, em geral passa. Já algumas crises conjugais são guerras abertas, incluem inocentes entre os mortos e feridos. Antes do armistício há um longo percurso de ódio em que os envolvidos não querem solução, precisam destilar sua fúria. Esse é um momento do casal próximo da paixão: apaga-se o mundo em volta, sobram só os dois, agora rivais, concentrados um no outro. Aos filhos resta sobreviver e jamais saem intactos.

Não sou contra separações, muitos casais sobrevivem à dor, inevitável, do rompimento rumo a uma vida certamente melhor. Mas nem sempre é assim: muita gente desiste por perfumaria, promessas ridículas de felicidade e gozo que nunca alcançarão. Esse menino, cuja fé motivou o feito, é o testemunho do terceiro incluído nesse conflito. Quando há filhos é evidente que sofrerão também com a separação.

A concepção é uma síntese não apenas biológica. Um filho sente-se eternamente representante de um instante a dois, de sexo e ou amor. A dissolução do laço que o originou sempre questiona sua origem: cheguei aqui em nome de algo que não existe mais, ou que faz sofrer aos meus pais? Por isso o filho se envolve, culpa-se, responsabiliza-se pelo destino do conflito, como fez esse garoto.

O pequeno fiel deu visibilidade ao lado frágil do conflito conjugal. Nem sempre os filhos perdem com a separação: um cotidiano miserável, de gritarias, violência ou ódio silencioso, é certamente pior do que a paz da derrota. Tampouco serve manterem-se juntos, prolongando uniões que na prática já acabaram, em nome dos filhos, tornando-os responsáveis pela miséria do casal. Isso em geral é mentira: ninguém permanece casado ou se separa por causa dos filhos. Não pensam realmente nos filhos quando o assunto é amor ou o fracasso do amor. Quando o casal goza, não pode nem deve incluí-los, quando se odeiam ou rompem, tampouco o fazem. Mas o envolvimento é inevitável, eles pegam carona na crise, como o garoto fez no ônibus. Haja santa para proteger tantas almas sofridas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário