quarta-feira, 31 de março de 2010

Artigo publicado em Zero Hora

A morte de Isabella: como explicar?, por Idete Zimerman Bizzi*

Condenados o pai e a madrasta de Isabella, acusados de seu assassinato, restam o luto, a revolta e a perplexidade. Como qualificar os responsáveis por esse ato hediondo? No que se diferenciam das pessoas em geral?

A maldade, na psicanálise, suscita muitos debates e poucas certezas. Freud nos legou uma compreensão dualista da mente, em que forças opostas concorrem na formação da personalidade. Temos, dentro de cada um de nós, razão e loucura, egoís- mo e altruísmo, amor e ódio. As proporções são variáveis, e definidas, basicamente, por três fatores: tendência genética (inata), vivências infantis (interação com os pais, ou cuidadores), e circunstâncias atuais (traumas, conflitos interpessoais da vida adulta). Os primeiros dois fatores são os mais decisivos. Quanto mais desfavoráveis forem as condições psicológicas e interacionais na primeira infância, mais propenso será o indivíduo ao desenvolvimento de distúrbios mentais, mesmo frente a estressores aparentemente leves. Normalmente, na mistura desses fatores, a tendência à vida (amor) ameniza a tendência à destrutividade (morte).

No caso de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, as razões para o descontrole e loucura são de ordem interna e têm origem precoce. A destrutividade galgou um espaço demasiado. Ou se impôs desde muito cedo, em intensidade exagerada, ou adquiriu proporções crescentes, como reação a importantes falhas e faltas na infância. Na pior das hipóteses, ambas as condições existem e se retroalimentam. Não estamos lidando, nessa situação, com um instante de loucura, mas com a ausência psíquica de algo consistentemente bom para contrabalançar a agressão. O casal teria tentado eliminar os fatos, e a verdade, com naturalidade aparente. Dão a impressão de não estarem habituados a pensar e a se responsabilizar por seus atos.

Ao praticar uma contravenção, muitos tendem a negá-la (mentir). Alguns talvez possam se imaginar batendo numa criança. Pouquíssimos seriam capazes de esganar alguém num momento de muita raiva. Raríssimos poderiam atirar uma criança pela janela. Mas quando nos defrontamos com um casal capaz de todas essas atitudes juntas e, o que é pior, em sequência, no transcurso de algum tempo, sem titubear e voltar atrás, estamos diante de algo raro. Acho que podemos dizer que estamos frente a frente com a crueldade e pulsão de morte em estado puro.

Se a psicanálise pode oferecer algo para a prevenção desses casos, é a proposta de encontro. Consigo e com os demais. Vínculos mais fortes e estáveis forjam adultos mais capazes de amar e respeitar a si e ao próximo e mais aptos a conviver, dentro de si, com sentimentos pouco nobres, mas universais, como ciúme, raiva, ódio. O encontro honesto com nossas verdades mais profundas, incluindo o que temos de pior, fortalece, sempre, o que temos de melhor.

*Psiquiatra e psicanalista

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