sexta-feira, 9 de julho de 2010

As falcatruas do dia a dia

Este artigo foi publicado na Zero hora desta semana e reflete bem a problemática educacional que vivemos, seja na família ou na escola. Em ano de eleição vale a pena repensar atitudes antes de sair criticando os políticos.  E na hora de votar vamos pensar muito e avaliar com cuidado, pequenas ações podem fazer uma enorme diferença, neste caso o simples aperto de um botão será decisivo por um bom tempo.

As falcatruas do dia a dia, por Nélio Tombini*
Nosso cotidiano é recheado de atitudes enganadoras e tapeadoras que não deixam de ser falcatruas. Acompanhamos com frequência pessoas usando de esperteza para tirar vantagem. É difícil nos opormos a isto, pois muitas vezes nos identificamos inconscientemente com o espertalhão e com o desejo de também levarmos vantagem.
Exemplos de falcatruas: quando o filho pega o carro escondido do pai e a mãe alia-se a ele para que o pai não saiba, ou o rapaz alia-se ao pai para que a mãe não saiba que a namorada engravidou e irão interromper a gestação.
Aceitarmos a corrupção na política. O paciente com câncer que espera seis meses para ser operado pelo SUS. O rapaz sai com uma moça e noutro dia conta para os amigos como foi a noitada. A moça conta para as amigas que não vale a pena sair com o fulano, porque ele tem “tico pequeno”. O pai recebe o filho à noite e percebe que ele está alcoolizado e não toma nenhuma medida em relação ao ocorrido. A mãe radiante ao vestir a filha de 10 anos de uma maneira sedutora para a reunião dançante induz para que conquiste um menino através de sua aparência atraente.
Assistimos a jogadores de futebol simulando agressões e causando a punição do adversário, o que é aplaudido pelos torcedores. Vejam as maciças campanhas de cervejas, usando atletas do futebol. É um claro estímulo ao uso do álcool, que já é um problema de saúde pública. Ninguém se levanta contra essas campanhas enganosas. Não existe uma entidade pública como o Judiciário, promotoria ou associações médicas para nos protegerem dessas falcatruas?
Outro dia, dei uma palestra num colégio “top” de Porto Alegre e fui ao banheiro dos alunos homens do segundo grau. Para minha surpresa, não havia papel higiênico nem toalhas para secar as mãos. Saindo do banheiro, deparei com uma atendente numa mesa onde havia papel. Perguntei a razão dessa conduta. Disse que os alunos entupiam os vasos ou jogavam o rolo de papel pela janela. Pensei: “Aqui, o colégio é refém dos alunos. Tudo indica que os colégios não desejam endurecer com os alunos, pois poderão perdê-los para outros colégios mais tolerantes com os distúrbios de conduta”.
Escuto seguidamente que alguém usa droga devido às más companhias. Não tenho dúvida de que as más companhias estão dentro de nós, em nosso caráter. Nossa sociedade é conivente com as falcatruas do dia a dia, amparadas no desejo de levar vantagem e na ideia de que os meios justificam os fins.
Este jeito de levar a vida poderá estimular nas crianças e jovens a percepção de que tudo vale a pena e que tudo dará certo lá na frente. Crescem com a ideia de que ter dinheiro, amigos poderosos e influentes ou conquistar uma mulher gostosa ou um homem atraente torna-se o sentido da vida. Doce ilusão. Alcançam esses objetivos, mas ficam vazios internamente, deprimidos, desenvolvem ansiedades, síndrome do pânico, bebem em excesso ou usam outras drogas e a vida segue sem sentido.
*Psiquiatra, responsável pelo Serviço de Psiquiatria da Santa Casa de Porto Alegre

Nenhum comentário:

Postar um comentário